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quarta-feira, 7 de julho de 2010

A LEITURA - III – Quatro espécies de leitura.

Capítulo retirado do livro "A vida intelectual", de A.D. Sertillanges.
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CAPITULO VII - A preparação do trabalho

A. – A LEITURA - III – Quatro espécies de leitura.

Concretizando um pouco mais, distingo quatro espécies de leitura. Lemos para nos formarmos e ser alguém; lemos com a mira nalgum fim particular; lemos para nos animarmos a trabalhar e praticar o bem; lemos por motivo de distração. Há leituras de fundo, leituras de ocasião, leituras de estímulo ou de edificação, leituras de repouso.

Estes gêneros de leitura devem utilizar as nossas observações; cada uma apresenta também exigências particulares. As leituras de fundo requerem docilidade, as Leituras de ocasião requerem mestria, as leituras de estímulo requerem ardor, as leituras de repouso requerem liberdade.

Quem se forma e deve adquirir quase tudo, não está em período de iniciativas. Quer se trate da primeira formação, de cultura geral, quer se encete o estudo de nova disciplina, de problema até aí descurado, precisamos mais de crer nos autores consultados do que criticá-los e, em vez de aproveitá-los, acomodando-os à nossa maneira de pensar, sigamos o caminho por eles primeiro trilhado. Querer agir demasiado cedo prejudica a aquisição; pede a prudência que comecemos por nos dobrar. ”É preciso acreditar no professor”, diz S. Tomás, depois de Aristóteles. O próprio Santo dá exemplo dessa obediência, que só lhe foi proveitosa.

Não quero dizer que nos entreguemos às cegas. Um espírito nobre não consente que o encadeiem. Mas assim como não se aprende a arte de mandar se não obedecendo, assim o domínio do pensamento só se obtém pela disciplina. Uma atitude de respeito, de confiança, de fé provisória, enquanto se não possuem todas as normas do juízo, é necessidade evidente que só passa despercebida aos presumidos e vaidosos.

Ninguém é infalível; mas o aluno é-o muito menos do que o mestre, e se recusa submeter-se, por uma vez que terá razão, subtrai-se vinte vezes à verdade e serra vítima das aparências. Pelo contrário, o crédito e a relativa passividade, que ao mestre concedem alguma coisa do que é devido à verdade, aproveitam a esta última e permitem utilizar as insuficiências, e as ilusões do professor. Ninguém sabe o que falta a um homem senão calculando a sua riqueza.

Comecemos por escolher os guias em quem confiar. A escolha dum pai intelectual é negócio muito sério. Aconselhamos S. Tomás para as doutrinas superiores; contudo, não podemos circunscrever-nos a ele. Três ou quatro autores estudados a fundo para a cultura geral, três ou quatro para a especialidade e outros tantos para cada problema que surja, é quanto basta recorremos a outras fontes a título de informação, não a titulo de formação, e só com isso já será diferente a atitude de espírito.

Essa atitude será mesmo diversa sob certos respeitos, pois quem se informa e quer utilizar não se encontra já em estado de pura passividade, mas tem as suas ideias prediletas, o seu plano; a obra consultada servir-lhe-á apenas de esteio. Requere-se, é certo, uma dose de submissão à verdade mais do que ao escritor, mas também a este último se deve dar fé, fé ( 1) Op.cit., pág. 246. compatível com a liberdade de seguir ou de rejeitar as conclusões a que ele chega.

Estas questões de atitude revestem suma importância; porque, consultar, como quem estuda, é perder tempo, e estudar como quem consulta, é ficar sozinho consigo e perder o beneficio que um iniciador vos oferece. Quem lê, com a mira num trabalho, tem o espírito dominado pelo que pretende realizar; não mergulha na onda, bebe nela; fica na margem, guarda a liberdade de movimentos, reforça as próprias ideias com o que de fora lhe advém, em vez de as afogar nas ideias de outrem, e sai da leitura enriquecido e não despojado, como sucederia, se a fascinação da leitura prejudicasse o intuito de utilização que a justificava.

Nas leituras de estímulo, a seleção, além das regras gerais apontadas, deve apelar para a experiência de cada qual. Aquilo que uma vez deu bom resultado d provável que o torne a dar segunda vez. Uma influência começa sempre por se reforçar, embora depois tenda a gastar-se com o tempo; o hábito aviva-a; uma penetração mais íntima aclimata-a em nós; a associação das ideias e dos sentimentos prende, a tal página, estados de alma que com ela despertam.

Ter assim, nos momentos de depressão intelectual ou espiritual, autores favoritos, páginas reconfortantes, tê-las à mão, prestes para inocularem no espírito a boa seiva, é recurso incomparável. Conheço pessoas a quem a peroração do Discurso fúnebre do Grand Condé reanimou anos seguidos, todas as vezes que se lhes secava a inspiração. Outros, no domínio espiritual não resistem ao Mistério de Jesus de Pascal, a uma Oração de S. Tomás, a um capítulo da Imitação de Cristo, a uma parábola do Evangelho. Observe-se cada qual, repare nos seus resultados, reúna em volta de si os remédios para as doenças da alma, e não hesite em repetir, até se fartar, o mesmo cordial ou o mesmo antídoto.

No que toca às leituras distrativas, parece não ter tanta importância a seleção; de fato, não a tem, relativamente. Contudo, não é indiferente distrair-se deste ou daquele modo, quando o fim em vista é voltar, nas melhores condições, ao que é a nossa razão de ser. Leituras há que não distraem suficientemente; outras distraem demasiado, com prejuízo do recolhimento que se lhes deve seguir; outras desviam-nos, no sentido etimológico, isto é, levam-nos para fora dos nossos caminhos.

Sei de alguém que se distraía de trabalhos árduos, lendo a História da Filosofia Grega de Zeller: era uma distração, mas insuficiente. Alguns saboreiam histórias apimentadas ou fantásticas que os dissociam; outros entregam-se a tentações que os fazem desanimar e lhes prejudicam a alma. Tudo isto é mau. Se os livros são servos, como os objetos de uso necessário à vida, devem-no ser sobretudo aqueles que só têm a desempenhar papel acessório. Ninguém se sacrifica por um leque.

Muitos pensadores encontram alívio e atrativo nas histórias de viagens e explorações, na poesia, na crítica de arte, na comédia lida em casa, nos livros de memórias. Cada qual tem seus gostos e o gosto, aqui, é o principal. Segundo S. Tomás, uma só coisa repousa verdadeiramente: a alegria; seria contra-senso querer distrair-se no tédio.
Lede o que agrada, o que não entusiasma demasiado, o que não prejudica e, já que sois consagrado, mesmo quando vos distraís, tende a inteligência de ler, em igualdade de proveito e de repouso, o que for útil de outra maneira e ajudar a completar-vos, a ornar o espírito, a ser homem.

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